A ordem dos dias chama-se “líquida”.
Entramos em qualquer natureza de novos
relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam, eventualmente, se
insinuar com contornos mais atraentes. O ícone de sucesso são os acordos
previamente semi-separados. Não dividimos o mesmo espaço, fazemos questão de estabelecer
por contrato os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade,
evitamos o tédio e os conflitos que qualquer regularidade da vida em comum possa
oferecer e estas são as opções que se configuram como uma saída moderna e promissora
para evitarmos os desconfortos das antigas relações normais. Criamos, assim, relações com um nível de comprometimento mais
fácil de ser rompido. Isto se assemelha a procurar um abrigo sem vontade de
ocupá-lo por inteiro. E caminhamos na direção do que quer que seja com um medo tácito
de sermos deletados.
Insatisfeitos, mas
persistentes, continuamos perseguindo a chance de encontrar as parcerias ideais
abrindo novos campos de interação. E cresce a popularidade dos espaços virtuais: muitos são
mais visitados que os bares, lojas e outros locais físicos e concretos onde o
velho “olho no olho” é o início de um possível, verdadeiro e arriscado
encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode
sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o
desligar-se. Para desconectar-se, basta pressionar uma tecla; sem
constrangimentos, sem lamúrias e sem prejuízos.
As regras são claras: conversa-se, negocia-se, cumprimenta-se
cordialmente, mas sempre evitando maior contato, como dogmatiza essa
modernidade leve e solta que assim desfigura a, então, relação congruente da
idéia de espaço-tempo de outrora, como no tempo em que a velocidade dependia do
esforço humano ou animal. Hoje temos as extensões fisiológicas que abocanham espaços
cada vez maiores em cada vez menos tempo, estendem distâncias, encurtam o
tempo, expandem a expectativa de vida, mas tornam todo ato desse tempo de
locomoção e vivência numa ação instantânea, imediatista, onde a exaustão e
desaparecimento do interesse pelo outro também vem neste bojo, a reboque.
Contudo, não estamos mais felizes.
Neste Natal, à beira de raiar 2015 espero, inocentemente, que possamos
suspirar pela presença do outro cada vez mais próximo e que a palavra “relação”
não nos pareça tão antiga e descaracterizada. Com medos, sim, mas com toda
coragem!
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